A turbulência bancária não acabou
Tentei entender o que estava acontecendo no sistema bancário internacional, que entrou em crise na semana passada, com a insolvência real ou projetada de quatro bancos, três nos Estados Unidos e um - o maior deles - na Europa. Depois de algumas tentativas sem sucesso, tal é a opacidade do “economês”, consegui entender alguma coisa. Daí que o resumo deste comentário é o seguinte: aperte o cinto, porque a turbulência não acabou.
Flávio Aguiar, analista político
Para começar, imaginemos estar a bordo de uma esquadrilha de aviões sobrevoando o oceano. De repente, a esquadrilha entra numa zona de turbulência. Alguns dos aviões apenas sacodem muito. Mas outros caem num vácuo, e mergulham vertiginosamente em direção ao naufrágio. Ocorre que os aviões da esquadrilha estão interligados por fios invisíveis a olho nu, mas reais. Ou seja, se alguns aviões caem, os outros, no mínimo, também começam a cair, ou pelo menos sacodem muito mais. Foi o que aconteceu.
O primeiro avião a cair no vácuo foi o norte-americano Silicon Valley Bank - SVB. A sua queda foi provocada por uma cadeia de fatores. O primeiro deles foi a junção de duas tempestades no horizonte: a pandemia e suas consequências, e a guerra na Ucrânia, que elevou a inflação no mundo inteiro.
Para combater a inflação o Federal Reserve Bank, FED, o Banco Central dos Estados Unidos, fez uma dramática elevação da taxa básica de juros, de 0,08% em março de 2022 para 4,57% em março de 2023. Isto desvalorizou os títulos de` longo prazo do Tesouro dos EUA, porque estes têm uma remuneração fixa, que fora estipulada com o taxa de juros baixa. Com a alta, eles perderam o interesse. O SVB apostara muito de seu capital nestes títulos.
Também apostara muito em financiar o setor digital de vendas e serviços, inflado durante a pandemia no mundo inteiro. Com o fim da fase aguda desta, o setor se retraiu, pelo menos nos EUA. E as suas empresas pequenas, médias e grandes foram obrigadas a buscar seus capitais depositados para equilibrar suas perdas. Começou uma retirada maciça das contas do SVB. Para atender a demanda, este teve de vender seus títulos de longo prazo - desvalorizados.
Uma coisa não cobriu a outra, e o banco quebrou. A desconfiança instalada no sempre nervoso e temperamental “mercado” contaminou dois outros bancos nos Estados Unidos, o Silvergate e o First Republican. O primeiro também quebrou, o o segundo teve de ser socorrido antes que também quebrasse. A bomba agora está nas mãos do governo de Joe Biden, para socorrer os correntistas, sobretudo o das contas não seguradas. Ressalte-se que o SVB costuma ser um grande financiador das campanhas do Partido Democrata.
O caso Credit Suisse
Enquanto isto, do outro lado do Atlântico, o poderoso Credit Suisse já vinha de um período de turbulência, provocada por suspeitas de gestão inadequada, que levaram a uma retirada de 124 bilhões de euros de suas reservas em 2022, quase 700 bilhões de reais.
Os rumores - verdadeiros ou falsos - de gestão problemática se avolumaram no começo deste ano, e começou uma nova corrida de retiradas. Para complicar, um outro bombardeiro peso pesado da esquadrilha, o Banco Nacional da Arábia Saudita, principal acionista do Credit Suisse, anunciou que não colocaria novos fundos neste.
A corrida se avolumou, e o Credit começou a despencar no vácuo. Só não caiu de vez porque o Banco Central Suíço deu-lhe um balão de oxigênio de 62 bilhões de euros, 343 bilhões de reais, para garantir-lhe a liquidez.
Mas a hemorragia não parou por aí. A desconfiança em relação ao Credit Suisse continua, e muitos investidores estão saindo de seu cercado em busca de investimentos mais seguros ou rentáveis.
Os sinais de um pânico no futuro a frente da esquadrilha se levantaram no horizonte, junto com o fantasma da crise financeira de 2008. Resultado: segundo o jornal El País, da Espanha, numa semana as bolsas financeiras da Europa tiveram uma perda de 50 bilhões de euros em retiradas, ou seja, 13% de seu valor, o equivalente a todo o Banco Santander.
O Banco Central Europeu anunciou, olimpicamente, que não via sinais de “contágio”. E o UBS - União de Bancos Suíços, o maior do país, anunciou estar estudando a possibilidade comprar o Credit Suisse.
Apesar do otimismo do Banco Central Europeu, e da expectativa de que nos Estados Unidos o governo democrata não vai deixar o setor se estrangular com uma eleição prevista para o ano que vem, o clima geral é o de que “o BCE e Washington no creen en brujas, pero que las hay, las hay”.
E para nós, você e eu, sentados numa das aeronaves, sem qualquer influência sobre os pilotos ou os comandantes da esquadrilha, e com um serviço de bordo cada vez mais magro, tudo o que resta a fazer é apertar os cintos e rezar.