Molière “nunca vai deixar de ser levado à cena”
No âmbito dos 400 anos do nascimento de Molière, a RFI continua a mostrar as apropriações lusófonas das obras do dramaturgo francês. Em Almada, falámos com a actriz Teresa Gafeira que entrou nas peças “George Dandin” e “Don Juan”, encenadas por Joaquim Benite, em “Tartufo”, encenada por Rogério de Carvalho, e em “O Misantropo”, de Martin Crimp, encenada por Nuno Carinhas. A actriz garante que Molière “nunca vai deixar de ser levado à cena” porque um “grande clássico” nunca perde actualidade.
É no Teatro Municipal Joaquim Benite, a sua segunda casa, que a actriz e encenadora portuguesa Teresa Gafeira nos recebe. Esta é também a casa da Companhia de Teatro de Almada, um “Teatro Azul” cujas fachadas se confundem com o azul do horizonte. É ainda uma casa de histórias, onde não faltam as histórias de Molière.
Em 2006, o espectáculo de estreia do espaço foi “Don Juan”, encenado por Joaquim Benite, que 20 anos antes encenara “George Dandin” já para a Companhia de Teatro de Almada.
Teresa Gafeira entrou em “George Dandin” e “Don Juan” de Joaquim Benite, mas também na peça “Tartufo” encenada por Rogério de Carvalho e “O Misantropo” de Martin Crimp encenada por Nuno Carinhas. Para a actriz, Molière “nunca vai deixar de ser levado à cena” porque um “grande clássico” nunca perde actualidade. Nem que já tenha 400 anos.
“Eu quando penso em Molière, penso num grande clássico e um grande clássico é aquele que permite tudo, por isso é que é clássico, porque nunca perde as suas qualidades, nunca perde a sua actualidade. É possível sempre fazer leituras novas, é sempre possível ao longo dos séculos aproximar à realidade de cada momento e isso é que é um clássico.
Não é uma coisa morta, é uma coisa que se mantém viva, apesar de ter séculos de existência. Quando penso em Molière é nisso que penso. Para mim Molière, juntamente com Shakespeare, são os dois grandes clássicos, são aqueles que se podem fazer sempre, que são sempre actuais e que há sempre coisas a aprender.
São levados a palco porque como não perdem a actualidade, ou seja, a maneira como os temas são tratados, os temas que são tratados, a maneira como são tratados, a complexidade, as possíveis leituras a serem feitas são tantas que continuam sempre a ser feitos porque as pessoas sentem sempre que é um desafio”, descreve.
Molière e Shakespeare são aqueles nomes que “atraem, mas, ao mesmo tempo, assustam um bocado”. Certo é que um cartaz com estes clássicos tem garantia de sala cheia. “O público, mesmo que não conheça as obras, se ouvir falar que é um Molière ou que é um Shakespeare, o público vai ao teatro. Vai.”
Teresa Gafeira interpretou Dona Elvira na peça “Don Juan”, em 2006. Trata-se de “uma personagem muito complexa” porque “é seduzida” por Don Juan “e depois tenta salvá-lo”. “O Don Juan, ao mesmo tempo que procura o prazer, é como se procurasse a morte toda a vida. Aquela busca do prazer é, ao mesmo tempo, procurar a morte. É o problema da existência, o problema da morte. Na nossa encenação, era muito evidente esse lado do Don Juan”, recorda a actriz.
A cenografia da peça “era uma coisa um pouco atemporal” e o guarda-roupa “não era propriamente de época, era uma mistura”. Quanto ao espaço cénico, da autoria de Manuel Graça Dias e Egas José Vieira, era algo “muito aberto e, ao mesmo tempo, muito opressivo”, “com uma mesa enorme, gigantesca, que era a mesa onde ele depois convidava o Convidado de Pedra para jantar e era uma mesa enorme, gigantesca, no palco, sem nada, uma mesa vermelha sem nada, só com duas cadeiras”.
Na peça “George Dandin”, também encenada por Joaquim Benite, em 1986, Teresa Gafeira interpretou a senhora de Sotenville. “O George Dandin é uma delícia, é uma crítica à sociedade, às aparências, ao querer subir, ao querer ser mais do que se é e, por isso, ser-se explorado pelos que estão mais alto, ser-se feito em fanicos pelos que estão mais altos, pelos senhores de Sotenville. O George Dandin era muito divertido, era um espectáculo de pequeno formato até porque ainda não tínhamos este teatro”, lembra.
A peça andou em digressão pelo país todo, “de norte a sul”, e chegou mesmo a ir a França, numa altura em que ainda não se legendavam espectáculos. “Não era difícil porque eles conhecem o texto, mesmo não percebendo patavina de português!”, conta, a sorrir.
Em 2014, Teresa Gafeira interpreta a astuta empregada Dorina na peça “Tartufo”, encenada pelo luso-angolano Rogério de Carvalho. “Ela é a que mais critica, mas, no fundo, é a que vê tudo”, descreve, lembrando que a peça “tinha um cenário muito bonito”, de José Manuel Castanheira, que era como “uma rotunda toda ela cenografada como se fosse o interior de um palácio, cheio de portas e cadeiras e um chão central como se fosse um chão de mármore também pintado”.
Este ano, a actriz entrou em “O Misantropo” de Martin Crimp, a partir de Molière, encenado por Nuno Carinhas, no qual interpretava a professora de teatro. A trama seguia praticamente a estrutura original, mas “era passado numa suíte de um hotel de luxo em Londres, a protagonista era uma vedeta de cinema internacional, o Alceste era um autor dramático e crítico de teatro”. “Segue [Molière] passo a passo, mas tudo passado para os dias de hoje”, explica.
Teresa Gafeira sublinha não ter a menor dúvida que “há-de haver sempre alguém que sinta necessidade de montar Molière”: “Acho que Molière nunca vai deixar de ser levado à cena. Não há possibilidade (...) Eu acho que nunca vai deixar de ser feito. É como os clássicos gregos, nunca vão deixar de ser feitos. Nem Molière, nem os clássicos gregos, nem o Shakespeare.”