Autor britânico conta sua vivência em São Paulo em romance policial agora traduzido para francês
Ele nasceu em Londres, mas viveu no Brasil durante dez anos. Joe Thomas escreve sobre essa experiência no romance "Brazilian Psycho", que acaba de ser traduzido para o francês pela editora Seuil Cadre Noir. O livro de 600 páginas mescla visões e épocas diferentes de um mesmo Brasil, como ele contou em entrevista pelo telefone à RFI Brasil. Maria Paula Carvalho, da RFIO enredo conta, por exemplo, o caso de três adolescentes de São Paulo que, em 2018, agridem um homossexual e gravam nele com uma faca o V da vitória e uma suástica. Antes, em 2003, o autor relata uma investigação sobre a morte do diretor de uma Escola Britânica. Essas são algumas passagens desse romance policial que apresenta ao leitor uma miríade de personagens: um ex-agente da CIA encarregado de lavar dinheiro, um menino de rua que sobe na hierarquia de uma organização criminosa, o assistente de um político e muitos outros. “Para mim, o livro é sobre a cidade de São Paulo e eu acho que todas as personagens representam alguma coisa, um nível da sociedade paulistana”, explica Joe Thomas. “Eu queria escrever um livro que conectasse todas as camadas da sociedade. E eu acho que o melhor jeito de fazer isso foi mostrar os personagens crescerem durante 20 anos”, completa. O autor combina ficção e realidade para traçar um quadro da sociedade brasileira contemporânea. “Combinar os dois é a principal característica do meu trabalho. Eu combino ficção e realidade porque acredito ser a melhor forma de mostrar a verdade sobre um lugar e sobre uma sociedade. Eu uso a ficção para iluminar a verdade”, afirma. O livro, por enquanto sem previsão de tradução em português, ainda tem artigos de imprensa, documentos e transcrições que ajudam a contextualizar a obra. “Eu acho que usando documentos de ficção e documentos reais eu consigo ilustrar essa verdade. Para mim, o estilo de colagem é um jeito de mostrar o que é São Paulo em todas as suas vertentes: um lugar extraordinário”, define. “Eu amo a cidade, mas também é complexa e difícil. Eu apresento um mosaico da cidade usando documentos e as histórias de muitas pessoas”, explica Thomas. Trilogia sobre São PauloO romance encerra uma trilogia composta das obras: Paradise City (2016), que faz referência à favela de Paraisópolis; Gringa (2018), que conta a investigação de um crime; e Playboy (2019), que tem como pano de fundo o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Apresar de “conversarem” entre si, os livros podem ser lidos separadamente. “Sim, na verdade Brazilian Psycho é o melhor livro para começar e pode ser lido sozinho. E os outros têm os mesmos personagens fascinantes. Para mim, este último livro é o melhor para introduzir e completar a minha história da cidade”, diz. O inglês Joe Thomas mudou-se para São Paulo em 2001, onde foi trabalhar como professor de história e literatura numa escola britânica. “Eu adorei a cidade e quando eu voltei para Londres, eu queria pensar, refletir e escrever sobre a cidade. E eu descobri que é o melhor jeito para fazer isso era escrever uma história policial”, afirma. “Foi uma atividade para pensar na minha experiência em São Paulo e para refletir sobre um lugar que foi a minha casa mesmo, apesar de eu ser britânico”, conta o autor. Joe Thomas diz ter ficado encantado com energia da capital paulista. “Eu adorei sair à noite para comer e para beber, para dançar, para escutar música. Aquele lado da cidade é maravilhoso, engraçado e divertido. Então, para mim, foi um amor à primeira vista”, confessa. “Mas também tem aquele lado mais escuro, mais difícil, mais complicado. Foi isso que mais me chamou a atenção, as contradições bem no coração da cidade”, observa. Morador do bairro do Morumbi, ele conta sobre a proximidade com a favela de Paraisópolis. “Então, eu vi ricos e pobres, lado a lado. São Paulo não é uma cidade bonita, não é como o Rio de Janeiro, não tem aqueles cartões postais. Mas tem uma oportunidade para investigar temas e tramas diferentes, o que é bom para quem quer fazer a descrição de um lugar”, completa o autor. “Espírito de protesto”Entre outras pessoas, a obra é dedicada à memória da vereadora Marielle Franco, que foi assassinada no Rio de Janeiro, em 2018. O caso nunca foi desvendado. “Para mim, esse foi um gesto de solidariedade. Ela foi uma heroína. E o espírito do livro é de protesto, de luta contra a injustiça”, diz o britânico, que continua acompanhado o desenrolar dos acontecimentos recentes do país. “Sim, sempre. Para mim, quando eu falo com brasileiros aqui em Londres e também os meus amigos lá, é com um tipo de melancolia. Os últimos anos foram muito difíceis. Mas eu também sei que o país sempre vai progredir”, acredita, esperançoso. “Em Paradise City, o meu primeiro livro sobre São Paulo, tem uma frase que diz: ‘São Paulo não tem passado’, ou seja, está sempre andando para a frente sem refletir e às vezes é preciso aprender com o que passou”, conclui.